Graciela Natansohn é entrevistada pela Revista IHU On-Line

logo_revistaIHUonlineA Revista do Instituto Humanistas Unisinos publicou sob o título de “Tecnologia ainda é coisa de homem, mas isto está mudando” (número 423, Ano XIII, 17.06.2013) a entrevista concedida pela coordenadora do grupo de pesquisa GIG@/UFBA, a professora Graciela Natansohn.

Nesta entrevista, Graciela comenta, dentre outros assuntos, sobre os temas de interesse do feminismo frente à cultura digital e sobre as dificuldades encontradas pelas mulheres para se apropriarem das tecnologias digitais. Transcrevemos, a seguir, o texto na íntegra.

 

“Tecnologia ainda é coisa de homem, mas isto está mudando”

A internet e o ambiente digital colocam novos temas para a agenda feminista: as brechas de acesso das mulheres à internet e à cultura digital, as brechas à educação tecnológica, as brechas de acesso à produção de tecnologias, aponta Leonor Graciela Natansohn

Por: Graziela Wolfart

Para a professora Leonor Graciela Natansohn, a violência no ambiente digital não se dá apenas nas representações das mulheres e dos gays e lésbicas, “mas mediante o controle que se exerce sobre as mulheres mediante telefones celulares, acesso a dispositivos de vigilância (GPS, câmeras, etc.), chantagem emocional para conseguir senhas de acesso aos sítios pessoais da web e dos e-mails, assédio e sedução nos sítios de redes sociais (onde crianças e adolescentes são vítimas de abusadores e pedófilos) e a exposição da intimidade das mulheres, mediante divulgação não autorizada de vídeos e fotos”. Na entrevista concedida à IHU On-Line, por e-mail, ela afirma que “o corpo feminino é um objeto mercadológico de consumo predominantemente masculino (nas mídias, na prostituição, no trabalho menos pago e menos qualificado). É o lugar da reprodução humana (da gestação) e por tanto, é objeto dos mais caros (no duplo sentido) investimentos médicos e farmacêuticos. Também é o local da discriminação e da violência de gênero”.

Leonor Graciela Natansohn possui graduação em Jornalismo e Licenciatura em Comunicação Social pela Universidad Nacional de La Plata, Argentina, mestrado e doutorado em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da mesma instituição.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como se dá e por onde passa a interseção entre a Comunicação e o Feminismo? Quais as principais questões que envolvem a questão de gênero na cultura digital e no jornalismo?

Leonor Graciela Natansohn – O feminismo olha para o campo da comunicação há muitas décadas, apontando muitos espaços: o da mídia massiva e suas lógicas produtivas (a presença e ausência de mulheres na produção de cinema, TV, imprensa, etc.); nas mensagens midiáticas e suas representações, enviesadas pelo olhar masculino, e na recepção de mídias e o lugar das mulheres nesses processos, identificando formas de resistência e ressignificação das propostas midiáticas e até usos complexos dos meios em função dos seus interesses. Mais a frente, a teoria queer amplia e transforma o escopo e a forma de entender as relações de gênero, e discute não apenas sobre as mulheres, senão sobre todos os arranjos de gênero (masculinidades, LGBT, etc.) em relação com a mídia e com outras determinações, como a raça, a nacionalidade, a classe.

A internet e o ambiente digital colocam novos temas para a agenda feminista: as brechas de acesso das mulheres à internet e à cultura digital, as brechas à educação tecnológica, as brechas de acesso à produção de tecnologias.

As representações misóginas e machistas na web são outra frente de debate, e as violências também. A violência no ambiente digital não se dá apenas nas representações das mulheres e dos gays e lésbicas, senão mediante o controle que se exerce sobre as mulheres mediante telefones celulares, acesso a dispositivos de vigilância (GPS, câmeras, etc.), chantagem emocional para conseguir senhas de acesso aos sítios pessoais da web e dos e-mails, assédio e sedução nos sítios de redes sociais (onde crianças e adolescentes são vítimas de abusadores e pedófilos) e a exposição da intimidade das mulheres, mediante divulgação não autorizada de vídeos e fotos, para citar os temas mais recorrentes. Tecnologia ainda é coisa de homem, mas isto está mudando.

IHU On-Line – Qual o impacto que os programas televisivos sobre cirurgias plásticas e emagrecimento provocam no imaginário feminino contemporâneo?

Leonor Graciela Natansohn – Não creio no impacto direto da mídia sobre outros campos (a medicina, as mulheres, etc.) senão como um processo de circulação de valores, interesses e “imagens”, onde os meios participam a modo de “caixa de ressonância”, às vezes ocultando, às vezes ampliando, deturpando, modificando e direcionando os temas que são discutidos na sociedade. Num sistema midiático empresarial, sem controle de nenhum tipo – como é o caso brasileiro – cuja lógica é direcionada pelo mercado, não há de estranhar-se que promovam intervenções de alto valor agregado. Medicina privada, mercado e mídia são sócios e amigos.

IHU On-Line – Como se dá o processo de apropriação da cultura digital por parte das mulheres?

Leonor Graciela Natansohn – As mulheres demoraram a entrar na internet e nas tecnologias por causa da discriminação que dificulta o acesso delas às carreiras tecnológicas, à cultura tecnológica, por um lado (pela suposta tecnofobia feminina), e aos usos domésticos, por outro, que consomem muito tempo de aprendizagem. O tempo é o que mais falta às mulheres. A dupla ou tripla jornada explica esta falta de tempo. Está gestando-se claramente nas mulheres a percepção dos meios digitais como o lugar de organização em redes, de comunicação entre pares, de informação e entretenimento. As mais velhas são o grupo que mais rapidamente está aprendendo a usar tecnologias. E as mulheres organizadas em grupos, também.

IHU On-Line – Quais os principais aspectos que caracterizam o desconhecimento prático e político das mulheres, em geral, em relação às tecnologias de comunicação e informação?

Leonor Graciela Natansohn – Medo (tecnofobia), pensar que isso “é coisa de homem”; não perceber a importância estratégica – para organizar-se, para conseguir emprego, para comunicar-se… O movimento feminista pensava que o tema era coisa “secundária”, que havia outras prioridades na agenda (violências, desemprego, trabalho, etc.). Mas isso está mudando radicalmente nestes últimos tempos. Há uma percepção mais clara da capacidade transversal e a capilaridade da ação das e nas mídias digitais. Hoje já é uma questão de empoderamento das mulheres.

IHU On-Line – Como podemos compreender que “o corpo parece ser a âncora da mulher no mundo, sua razão de ser, para si mesma e para o outro, para o desejo do outro”? Qual a origem e as implicações dessa concepção?

Leonor Graciela Natansohn – Na ordem social (e na ideologia que a sustenta) o corpo feminino é um objeto mercadológico de consumo predominantemente masculino (nas mídias, na prostituição, no trabalho menos pago e menos qualificado). É o lugar da reprodução humana (da gestação) e por tanto, é objeto dos mais caros (no duplo sentido) investimentos médicos e farmacêuticos. Também é o local da discriminação e da violência de gênero.

FONTE: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5078&secao=423

Sobre Mônica Paz

Mônica Paz é doutoranda e mestre (2010) pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, na linha de pesquisa sobre Cibercultura, da FACOM/UFBA. Bacharel em Ciência da Computação pelo DCC/IM/UFBA (2007). Entusiasta do movimento Software Livre, já colaborou com a comunidade baiana desse movimento em alguns de seus eventos.