Uma pesquisa para lançar durante o carnaval: doutoranda do Gig@ fala sobre a experiência de apresentar sua pesquisa em dois congressos internacionais sobre gênero, ciência e tecnologia

Este ano passei um carnaval bem diferente dos anteriores. Tive a oportunidade de fazer imersão em dois eventos acadêmicos espanhóis ligados à pesquisa que desenvolvo no Gig@, sobre os processos de apropriação tecnológica de mulheres hackers e tecnólogas. Uma oportunidade interdisciplinar ímpar, de poder ouvir e compartilhar experiências com gente de diversas áreas de conhecimento e culturas. E tudo isso, é importante deixar claro, graças à política de internacionalização do conhecimento científico promovida pela CAPES, através do Programa de Doutorado Sanduíche (PDSE), que me trouxe para um estágio doutoral de seis meses no Internet Institute Research Center (IN3), da Universitat Oberta de Catalunya (UOC/Barcelona).

O primeiro foi o Congresso de Ciência, Feminismo y Masculinidades (CICFEM), que ocorreu na cidade de Valencia, entre os dias 1 e 2 março, onde, além de potentes discussões e apresentação de experiências de pesquisadoras nos mais diversos âmbitos da ciência e tecnologia, tive a oportunidade de dialogar, mais de perto, com algumas das principais abordagens que tem preponderado nos estudos sobre masculinidades alternativas. Lá, apresentei o trabalho “Mujeres hackers en Brasil: mapeo de los grupos y sus apropiaciones tecnológicas” e durante a sessão de meu grupo de trabalho, pude perceber que, apesar da diversidade das temáticas ali apresentadas, havia um fio condutor que apontava para uma discussão maior: a necessidade de, associado ao combate da brecha de gênero na ciência e tecnologia – que faz com que mulheres historicamente sejam excluídas e/ou destituídas do papel de importantes atrizes do processo de produção de conhecimento, sobretudo nas chamadas “ciências exatas” -, empreendermos esforços para que essa reparação se dê noutros termos, que não os da pura assimilação de tecnologias hegemônicas e androcêntricas, o que noutros campos tem garantido a manutenção dos chamados “tetos de cristal” para poucas em detrimento da luta de muitas. Ou seja, é preciso trazer para a problemática da ausência de mulheres na tecnologia o não menos problemático debate sobre o processo de reificação por que passam os artefatos em nossa atualidade, sob o risco de incorrermos no mesmo erro de incluir no jogo do (tecno)poder apenas uma pequena quantidade de mulheres digitalmente letradas, territorialmente norteadas, capitalísticamente empoderadas, sexualmente cisgenerizadas e racialmente embranquecidas.

Uma semana depois, em Terrassa,  um pouco menos nervosa pela estreia na apresentação de trabalho em outra língua que não na boa e velha “Última flor do Lácio”, no congresso “Dones, Ciència i Tecnologia – 2019” apresentei, junto com a minha co-orientadora espanhola, a Professora Dra Ana María Gonzalez Ramos, o trabalho “Mujeres hackers y sus nuevos espacios: un panorama de las experiencias engendradas en el Brasil actual”, onde tive oportunidade de aprofundar a discussão apresentada anteriormente em Valência. Chamou-nos atenção os tensionamentos realizados por nossa audiência em torno do uso que fizemos do termo hacker. Nos preguntava uma jovem: “hoje, pela manhã, falávamos sobre cibersegurança de mulheres em ambientes digitais, onde cada vez mais tem se mostrado comum o assédio e extorsão de mulheres por conta de hackers, então por que vocês utilizam este termo para falar de grupos de mulheres que fazem ativismo digital?”. E isso me fez pensar o quão em nosso imaginário está incutida a associação entre expertos em desenvolvimento de códigos e hardwares a masculinidades hegemônicas (usando um termo que vi em Valência) e hostis. Isso me fez pensar na magnitude do trabalho dessas mulheres, que em diversas frentes trazem a possibilidade de popularizar e pluralizar os sentidos de um termo que originalmente está comprometido com o escaneamento dos protocolos de controle de nossas sociedades digitalizadas. E quer coisa mais feminista que isso?

Sobre Josemira Reis