O II Encontro Internacional Ciberfeminista, realizado em 15 de março de 2018, durante o Fórum Social Mundial, em Salvador, propôs princípios para a descolonização da internet. Confira, a seguir, a íntegra deste documento.
Princípios para a descolonização de internet
As tecnologias digitais, com sua diversidade de ferramentas e dispositivos, suas oportunidades e riscos, constituem cenários privilegiados para a ação política feminista, queer, LGBTT e antirracista, por isso, vêm sendo objeto de reflexão crítica por parte dos feminismos acadêmicos e dos movimentos sociais. Ao contrário da descentralização e democratização que internet prometia, cinco grandes empresas (as GAFAM -Google, Apple, Facebook, Amazon,
Microsoft- mais algumas outras poucas que centralizam serviços a escala mundial, como Uber, AirBnb, Decolar e Mercado Livre) detenham o monopólio sobre as operações de internet. Isso só nos mostra como o ciberespaço tem se constituído num território de disputa de poder e narrativa. Sendo assim, nós Ciberfeministas e Ciberativistas antirracistas e que acreditamos numa internet livre e feminista, propomos a seguir 16 pontos reivindicatórios para o fim da hegemonia do mercado e para a livre circulação de ideias na rede:
1) Direito à diversidade identitária, sexual e racial, contra o hetero-cis-normativismo;
2) Direito ao acesso amplo, irrestrito, igualitário à internet. O acentuado uso do celular não pode ser a única forma de acesso massivo a internet, pois implica na redução de investimentos em infraestruturas de internet e permite uma apropriação estreita e pouco criativa dos recursos disponíveis na rede;
3) Pela defesa da neutralidade da rede;
4) Pelo fomento às redes alternativas autogestionadas pelas comunidades;
5) Desconstrução do caráter androcêntrico da ciência e da tecnologia digital, em todas as suas fases (planejamento, desenho, realização, distribuição e usos); por mais mulheres no software livre, mais mulheres hackers, inventoras, programadoras;
6) Compreensão ampla, interseccional e não androcêntrica das brechas (exclusões) digitais de gênero, raça, classe, nacionalidade, religião, idade, etc. e das estratégias para superá-las; de nada adianta incluir mulheres em entornos misóginos, racistas e androcêntricos das empresas tecnológicas sem mudar essa cultura;
7) Não à misoginia, assédios, racismo e contra a proliferação das violências cometidas contra mulheres; articular estratégias para a defesa com menor risco (redução de danos digitais);
8) Ampliar a compreensão dos cibercrimes a partir de uma perspectiva de gênero, incluindo a apologia ou incitação ao feminicídio e transfeminicídio;
9) Promoção do comum na Internet, para um amplo acesso à cultura e ao conhecimento, por meio de compartilhamento livre (copyleft), e de ações que visam fomentar e reconhecer formas de criação colaborativas e coletivas;
10) Pelo direito à segurança e garantia à privacidade por padrão, e pelo direito ao anonimato e ao esquecimento.
11) Contra o controle e a vigilância irrestritos e indiscriminados por parte do Estado e dos mercados.
12) Pela garantia de uma liberdade de expressão descolonizada, que não esteja exclusivamente em benefício de grupos historicamente dominantes;
13) Promoção e estímulo estatal aos softwares e hardwares livres, contra as “caixas pretas” da tecnologia;
14) Direito à participação de mulheres negras, cis, trans, indígenas e minorias na governança e a tomada decisões sobre políticas de internet, infraestruturas lógicas e físicas;
15) Estimulo às economias digitais alternativas e solidárias, que geram bens comuns, sustentabilidade e empoderamento coletivo;
16) Alimentamos a utopia de que outra internet é possível: anticapitalista, autônoma, não colonizada pelo comércio, pelo capital ou pelo estado; sustentada pela colaboração e gerenciada com autonomia, pela cultura do compartilhamento e do código aberto. Pela desgooglização e descolonização de nossa vida digital.
Em Salvador, 15/3/2018. II Encontro Internacional Ciberfeminista.
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