Em entrevista, Graciela Natansohn fala sobre o Gig@

POR GILBERTO RIOS

“Desarmar as caixas pretas”. Assim Graciela Natansohn define o trabalho que realiza Grupo de Pesquisa em Gênero, Tecnologias Digitais e Cultura (Gig@), que objetiva capacitar mulheres para softwares e hardwares livres a fim de promover mais um espaços voltado às mulheres. O projeto é baseado na ideia de desconstrução das diferenças dos gêneros a partir do acesso às tecnologias. Graciela é professora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. A pesquisadora também tem afinidades com as áreas de Cibercultura: Jornalismo online, Jornalismo de Revista, Estudos de Gênero, Mulheres e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC´s).

Ciência e Cultura – As diferenças de gênero são configuradas de que forma no meio digital? Como a inclusão de mulheres no meio digital pode contribuir para minimizar as diferenças de gênero de um modo geral?

Graciela Natansohn – Se observarmos os conteúdos circulantes na internet, veremos que, em geral, refletem o machismo de todos os outros meios de comunicação: pornografia, sites para mulheres que parecem que só pensam em consumir coisas banais,  sites que reproduzem os papeis de sempre: mães, dona de casa, cuidadoras, e publicidades sexistas e ofensivas. Do outro lado, no que se refere à logística e produção de tecnologias para internet, vemos pouquíssimas mulheres programando, inventando softwares e hardwares. Temos poucas mulheres em altos cargos públicos do setor, poucas empreendedoras TICs [Tecnologia da Informação e Comunicação]. A inclusão de mulheres só poderá acontecer mediante a mudança da lógica de produção de conteúdos, que reproduz o que acontece, por exemplo, nas redações dos jornais: muita mulher jornalista e pouquíssimas mulheres em cargos de chefia. Mudanças  na representação das mulheres deveriam, também, produzir mudanças na posição delas na sociedade, mas é preciso muito mais.

Ciência e Cultura – Por que a ênfase no software livre (SL)?

Graciela Natansohn – O software livre tem a mesma filosofia que o feminismo: liberdade, fraternidade, autonomia, compartilhamento de saberes. O software livre e o hardware livre têm grandes vantagens, e não só econômicas. Permitem que a pessoa aprenda, transforme, modifique, divulgue, compartilhe. Os softwares proprietários são parte de uma lógica bastante perversa, que lucra com vírus e antivírus, que lucra com obsolescência programada em vez de alimentar a reciclagem e reutilização, que impede o usuário conhecer o código do programa para entender como funciona uma máquina porque querem que você só “use” do modo que eles querem. O software livre permite que você use, modifique e redistribua sem restrições, e para isso você deve conhecer o código-fonte do  programa para aperfeiçoá-lo segundo as suas necessidades. O que mais gosto, contudo, é essa exigência de “desarmar” as “caixas pretas” que são os computadores. Essa filosofia que estimula a curiosidade, que desafia o que vem pronto, é o mais atrativo do SL. Desconstruir, reconstruir e compartilhar não é uma boa premissa tanto para os objetos que nos rodeiam como para nossos conceitos e ideias? Tudo a ver com o feminismo.

Ciência e Cultura – O pouco engajamento das mulheres para essa área viria de uma imagem construída socialmente da mulher como um ser fora desse enquadramento ou é um tipo de sexismo que não permite que mulheres qualificadas exerçam a posição de chefes?

Graciela Natansohn – Responder por que a tecnologia ainda é “coisa de homem” não é fácil. Tem a ver com a cultura que coloca papeis fixos de acordo com a identidade sexual das pessoas, tem a ver com o sexismo que impede às mulheres acessar a cargos de maior responsabilidade, tem a ver com a educação sexista que arregimenta mulheres e homens em profissões “femininas” e “masculinas”, como a enfermagem e a engenharia, para citar apenas alguns  Os mecanismos de discriminação são muito sutis e não sempre são óbvios como no caso das publicidades, por exemplo. Dentro das carreiras de computação, por exemplo, também se delineiam itinerários profissionais diferentes, segundo o estudante seja homem ou mulher. Desde crianças, somos educados como meninos e meninas, com prescrições e permissões. A tarefa de desconstrução desses estereótipos deveria começar cedo, na família e em simultâneo com o resto das instituições.

Ciência e Cultura – Se o gênero é uma construção, então as mulheres não biológicas se enquadram no perfil do programa?

Graciela Natansohn – Nosso projeto visa somar-se às ações afirmativas das mulheres, à chamada “discriminação positiva”. Nesse sentido, quem se sentir mulher, que venha a inventar, construir, programar, armar e desarmar computadores. Isso nos encanta.

Ciência e Cultura – Quais as perspectivas de um “movimento feminista tradicional” e como ele se difere das iniciativas que as mulheres tomam na cultura digital?

Graciela Natansohn – O feminismo brasileiro está acordando para essas questões só recentemente, e com muita energia. Existem muitas mulheres discutindo políticas de comunicação, plano nacional de banda larga, mas sao minoria. Contudo, temos cada dia mais blogueiras, grupos de feministas tecnólogas. Sem dúvida, há um crescimento de mulheres com estes perfis, pois a cultura digital se impõe e as mulheres estão se apropriando dela com maior ou menor êxito.

Ciência e Cultura – Qual o perfil da mulher visibilizado pelo grupo?

Graciela Natansohn – Não ha perfil único. Qualquer um que se sinta mulher pode participar dos cursos e discussões do grupo. Mas temos, claro, cursos para mulheres que não tem nenhum conhecimento e outras oficinas para quem tem conhecimento algo mais profundo de softwares e hardwares.

Ciência e Cultura – Quais ações são realizadas com elas?

Graciela Natansohn – Temos oficinas de cultura digital, onde experimentamos os softwares e hardwares. As questões de gênero se discutem em forma transversal, isto é: em cada curso do Labdebug, (veja www.labdebug.net) as participantes decidem por um produto a ser feito através de softwares e hardwares; um vídeo, um programa de rádio, uma projeção de video mapping, uma obra de arte com sensores eletrosensíveis. Em cada oficina discutimos o lugar das mulheres na tecnologia, mas de forma prática, aprender fazendo, como é o mote das oficinas.

Ciência e Cultura – O conteúdo referente à mulher na internet serve para retroalimentar a ideia de um feminismo à mercê do homem?

Graciela Natansohn – Não entendi o que seria um feminismo à mercê do homem. Feminismo é uma ideologia que procura discutir as relações de gênero, as relações sociais baseadas nas identidades sexuais e questiona os lugares fixos atribuídos a mulheres e homens na cultura. Feminismo não é apenas coisa de mulher: é coisa de ser humano. Assim como há mulheres machistas há homens feministas, pois as ideologias não tem sexo.  Claro que só recentemente (faz uns 20 ou 30 anos) o feminismo começou a discutir as masculinidades, pois ser homem, mulher, transexual, intersexual ou o que for que seja, tem seríssimas implicações para as pessoas, e quase sempre, são negativas. Tudo que não se enquadra no binômio mulher-homem é problemático para nossa cultura. Isso é objeto do feminismo.

Fonte: http://www.cienciaecultura.ufba.br

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